O modelo econômico das turnês
A turnê é a base da sobrevivência de qualquer banda média e normalmente até grande no exterior, em especial nos Estados Unidos e na Europa. Por definição, ela nada mais é do que uma viagem da banda para mais de um show, sendo que idealmente ela há de se estender ao máximo possível e seguir um roteiro o mais predeterminado possível.
Com o Carbona tivemos como uma das primeiras experiências de banda, ainda nem com 6 meses de existência, uma turnê de 12 shows pelos Estados Unidos e Canadá onde não apenas aproveitamos ao máximo a experiência de viver o sonho antigo de todos nós de “viver o rock na estrada” como estivemos sempre atentos para utilizar e adaptar o que encontramos lá à realidade brasileira. De posse desse know-how e de algumas conclusões, partimos posteriormente para três turnês brasileiras (South Freakout Tour, 1999 – 7 shows em 10 dias, Chicletour, 2003 – 19 shows em um mês e Chicletour 2, 2005 – 23 shows em um mês) e estamos agora nos preparando para mais uma.
No Brasil, mesmo as bandas de grande porte, como Los Hermanos e Jota Quest, não costumam se utilizar muito desse modelo, a não ser para visitas a regiões mais distantes do país. Sua agenda segue lotada, mas a instabilidade do mercado não permite algo nos moldes de bandas inglesas e americanas de igual porte, que vão cobrindo continentes numa sequência que otimiza as distâncias, durando meses a fio. As bandas de grande porte acabam por não ter nenhum prejuízo com isso, já que os custos de deslocamento ficam por conta dos produtores locais, mas houvesse um mercado mais estável para bandas de pequeno e médio porte o modelo de tour precisaria ser mais utilizado.
O principal ponto de uma turnê é exatamente esse: diminuir os custos (monetários e até mesmo físicos/psicológicos) do deslocamento de toda a estrutura de um show. O planejamento antecipado traz benefícios de outras formas, como o planejamento do merchandise e das ações de divulgação, dado que uma turnê normalmente apóia o lançamento de um álbum ou até mesmo ela em si é a notícia (como turnês de reuniões de banda – o The Police é o maior exemplo atual).
A seguir, por tópicos, algumas lições tiradas do Carbona e suas aplicações à realidade brasileira e em especial à realidade do meio independente.
(1) Couvert Artístico – nos Estados Unidos as bandas recebiam integralmente o valor da entrada. Numa estrutura maior existe a entrada de outros agentes, como a Ticketmaster e qualquer tipo de revendedor de ingressos, mas a idéia nos shows independentes é que o valor pago pelo show fique integralmente para a banda. À casa passa a caber tão somente todo o consumo de bebidas e afins do público.
Na aplicação à realidade brasileira, este foi dos maiores entraves. É notória, ainda mais no meio independente, a má-vontade das casas quanto à remuneração das bandas, independente de quantas centenas de quilômetros estas bandas estejam de suas cidades de origens.
Uma observação quanto aos hábitos do público não pode passar em branco: enquanto lá fora o público ia para a casa consumir antes do show, no Brasil é muito comum que o público consuma fora do lugar do show (por questões de economia e minimamente também por socialização) e só entre nos lugares já na hora de início do show. É uma questão extremamente delicada, no meu ponto de vista essencial ainda que indiretamente conectada à questão das remunerações do artista e ainda há de merecer um estudo à parte.
(2) Merchandise – A venda de camisetas e outros apetrechos com a marca da banda há muitos anos representa uma parte considerável dos rendimentos de uma turnê. Algumas bandas apostam mais forte no segmento, como por exemplo os Rolling Stones, a Dave Matthews Band e o Less Than Jake, um independente que faz questão de marcar cada turnê com edições limitadas de seus discos e até brinquedos. No Brasil praticamente não existe entrave para este item mas ainda assim não existe uma grande tradição. As bandas mais novas, como Los Hermanos e Pitty, já se encontram plenamente adaptados a essa realidade.
No caso do Carbona, nos Estados Unidos tínhamos o nosso CD, uma camisa com as datas da tour e o nome da banda e adesivos que fizemos num bureau, imprimindo a logo da banda e o endereço da homepage em papel adesivo e recortando. Aqui no Brasil fazemos constar das tours SEMPRE uma camisa com as datas, além de CDs, buttons, adesivos e outros modelos de camisa. Fora do modelo de turnês, o capital parado nesse material pode ser um problema para a banda.
(3) Equipamento – No nosso caso lá fora, mesmo em shows onde até cinco bandas dividiam o palco, cada uma delas possuía seu próprio backline completo, ou seja, além dos instrumentos todas elas levavam os amplificadores e bateria. E viajavam o país e/ou continente inteiro carregando tudo isso e mais o merchandise dentro de uma van. Com isso a casa não tinha custos extras com aluguel de equipamento, ou como é mais comum por aqui, não precisava de um produtor que preparasse essa estrutura e ajudasse na divulgação, ficando com uma fatia do lucro.
No Brasil essa estrutura é comum apenas nos casos de artistas maiores, onde a própria van é substituída por ônibus (na maioria dos casos, alugados).
No caso independente, por mais que possuir equipamento próprio seja uma forma de a longo prazo lucrar mais com sua estrutura de shows, os entraves são inúmeros, por mais que uma evolução não possa deixar de ser notada.
Há menos de 10 anos surgiram no país as primeiras vans, mas o custo delas é demasiado elevado para uma banda. Nós viajamos os Estados Unidos em uma van de 20 anos de idade e que cumpria razoavelmente seu papel. Dificilmente aqui um veículo com 20 anos de estrada ainda poderá servir para viagens interestaduais. De qualquer forma, é algo a se testar num futuro. Não que esse seja o único determinante para a viabilização de turnês aqui.
Quanto ao equipamento, a indústria nacional evoluiu muito de dez anos para cá e amplificadores e instrumentos nacionais (bem mais baratos que os importados) já podem ser usados sem restrições.
(4) Shows de meio de semana – O que de fato viabiliza uma turnê independente são os shows de meio de semana. Que ninguém se iluda e imagine que no exterior os shows são lotados de Domingo a Domingo. Mas os shows de meio de semana são imprescindíveis para a realização de uma tour. O Day Off, ou seja, o dia sem show, representa custos relativamente altos, onde existe somente saída de capital. Algumas cidades menores possuem tradição como “cidades de passagem” e receber integralmente a receita de ao menos 50 pagantes já proporciona alguma entrada e mantém o mecanismo funcionando.
No Brasil essa é das aplicações mais complicadas, e por conta disso o planejamento das nossas viagens comece quase sempre com o mapeamento de possíveis lugares que recebam um show do Carbona em qualquer dia entre Segunda e Quinta. Vale até mesmo a deslocar alguma capital para o meio de semana, como é o caso de Porto Alegre, onde durante muito tempo a Segunda-Feira foi um dia forte de shows. Já em São Paulo a proporção de público caiu tanto que essa idéia não foi reaproveitada. Não é de se admirar que num mercado incipiente como o da música independente não existam muitas cidades, capitais ou no interior, que resolvam de forma positiva a equação financeira que viabilize um show em dia de semana. Esse segue sendo um dos grandes entraves à implantação de turnês.
Além desses quatros tópicos principais, não pudemos (e não podemos) deixar de situar o status do rock culturalmente. Nos Estados Unidos, o rock é dos estilos de música mais preponderantes. No Brasil ele ocupa um espaço muito forte dentro de uma elite mas definitivamente não é o som do povo. Ficamos a imaginar o quão mais fácil seria para uma dupla de funk excursionar vendendo seus discos e camisetas, ou até que ponto uma estrutura independente como a nossa funciona para uma banda de country que viaja pelo interior paulista. De qualquer forma o espaço para o rock existe, e o nosso esforço em viabilizar turnês pelo país, além do de outras bandas que constantemente apostam e apostaram no modelo como Dead Fish, Jason, Thee Butchers Orchestra, Wry e Noção de Nada demonstram resultados cada vez mais gratificantes.
Comentários